Governo municipal descumpre acordo feito com Jockey Club de São Paulo

Cobrança de IPTU, ISS e outros impostos dificultam a operação do Jockey.

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O Jockey Club de São Paulo foi fundado em 1875 e funcionou primeiramente na Mooca. Na década de 1930, foi feito negócio, no qual a Companhia Cidade Jardim doou propriedade nas margens do Rio Pinheiro para o novo hipódromo. Em artigo recente no ConJur, o advogado Igor Mauler Santiago apresentou pontos de conflito na relação entre o Jockey e o governo municipal.

Nesta época, o Município de São Paulo comprou do Jockey a sua sede na Mooca por uma quantia similar as despesas para a obra da nova propriedade, com dinheiro colocado no Banco do Comércio e Indústria de São Paulo. Com a quantia depositada, a instituição foi forçada construir o Hipódromo Cidade Jardim, finalizado em 1941.

Enquanto o Jockey precisou manter a operação do turfe e se antecipou em relação a uma reversão do terreno e das suas construções ao município, em um eventual fim do clube. No final da década de 1959 foi dada a sentença, isentando o Hipódromo de arcar com o IPTU a partir do termo de reversão.

Com intenção de dar efeito permanente a essa resolução, o Jockey esbarrou na Súmula 239 do STF. O acórdão foi sustentado, ainda que por outro argumento – o artigo 32 do CTN, editado depois do trânsito em julgado da questão — nos embargos de divergência do clube.

Sendo assim, a ligação entre o clube e a administração municipal é bastante caótica, com lançamentos todos os anos de quantias significativas, execuções fiscais e tentativas de acordos.

No entanto, com a sentença de 1959 não se sobrepõe ao artigo 32 da Lei 5.172, de 25.10.66 (CTN), o acórdão do STF (Supremo Tribunal Federal) baseado nesta norma não sobrevive a duas leis posteriores ao Código, nenhuma delas avaliada pelo Supremo. São as seguintes:

O Decreto-lei 57, de 18.11.66

Os imóveis urbanos são tributados pelos governos municipais e as propriedades rurais pelo Federal. O CTN estabelece propriedade urbana e rural a partir de critério geográfico. Ou seja, o imóvel urbano está situado na parte urbana do município conforme lei local, enquanto os demais são propriedades rurais.

Entende-se que esse não é o único ponto em vigor no Brasil. Ainda há o critério de destinação definido pelo Decreto-lei 57/66, posterior ao CTN e também entendido como lei complementar. De acordo com o art. 15, o art. 32 do CTN “não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados”.

Portanto, o conceito de atividade rural é proposto pela IN/RFB 1.700/2017, no trecho que define a apuração do IRPJ e da CSLL. Sendo assim, a atividade rural é definida como toda a cultura animal, excluem-se as premiações recebidas pelos donos, produtores e profissionais do turfe. A referência ao turfe mostra que a legislação federal lhe coloca como atividade rural, ressalvados somente os possíveis prêmios.

Essa última posição ainda é salientada pela Lei 7.291/84, que “dispõe sobre as atividades de equideocultura no País” e coloca o turfe neste conceito. Além disso, o turfe aprece em 14 dos seus artigos. Portanto, se prestando a equideocultura, o Jockey realiza uma atividade rural, estando sujeito ao ITR e não ao IPTU.

A Lei municipal 6.989, de 29.12.66

São livres do imposto predial, uma das partes do IPTU, “os imóveis construídos pertencentes ao patrimônio das agremiações desportivas, efetiva e habitualmente utilizados no exercício de suas atividades, desde que não efetuem venda de ‘poules’ ou talões de apostas”.

A limitação do alcance da isenção da parte final da norma não é constitucional pelos pontos mostrados. Cada associação esportiva conta com uma finalidade: uns optam pelo futebol, outro pela natação, o hipismo, o basquete e assim sucessivamente, existindo alguns clubes que chamam atenção em mais de um esporte.

O turfe é uma modalidade tão merecedora de proteção quanto as outras, e a norma que o regulamenta trata a exploração de apostas como atividade inerente a sua realização (Lei 7.291/84, artigos 6º a 9º), de cujo resultado tem participação a União, com a Comissão Coordenadora da Criação do Cavalo Nacional (CCCCN).

Constituir essa atividade, licita a tal modalidade esportiva, em função da recusa da isenção corresponde a “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”, conforme a “ocupação profissional ou função por eles exercida”, contra os artigos 5º, caput, e 150, inciso II, da Constituição.

Disparidade

A disparidade tomada pela norma regional fica nítida quando se leva em consideração que a prática das apostas já enseja outro imposto municipal (ISS), conforme determinação do Supremo em recurso do Jockey Club do Rio de Janeiro. Isso significa que as apostas já resultam para o Jockey o dever tributário, assegurando ao governo do município uma participação nos ganhos.

Essa é uma situação de distinção que se baseia em uma atividade acessória realizada pelo contribuinte (exploração de apostas ligadas ao turfe), principalmente, quando o seu vínculo com a atividade decorre de lei e já resulta no dever de arcar com um imposto ao mesmo Fisco que visa em causa de afastamento da isenção referente a outro (IPTU).

Ao apontar essa ação como motivo para negação da isenção, a Administração Municipal também assume uma postura contraditória, porque ajudou na construção do local e concordou que fosse destinado a pratica de turfe – que se presume com apostas –, e agora quer apontar como razão para ceifar a isenção concedida a todos os clubes.

De modo geral, a cobrança do imposto de IPTU em quantias exorbitantes é uma maneira de conseguir, tributariamente, a incapacidade financeira do clube e o término de suas atividades, com a reversão do hipódromo ao patrimônio da cidade. É basicamente faltar com a palavra dada.

Além disso, segundo a Constituição (artigo 187) que a política agrícola será realizada no formato de lei. O artigo estabelece prazo de 365 dias para a sua edição, o que resultou na Lei 8.171/91, a qual institui o protagonismo da União na definição do tema, reservando aos demais entes funções meramente executivas.

Apostas não podem gerar perda da isenção ao Jockey

Portanto, ao vincular uma possibilidade negativa (a perda da isenção do IPTU) a pratica das apostas, que a União estabelece como soberanamente como ínsitas ao turfe e, porque, à equideocultura, a lei municipal entra em conflito a competência federal, atravessando não somente as Leis 7.291/84 e 8.171/91 – o que já seria o bastante para a sua invalidade – como ainda o artigo 187 da Carta.

Sendo o turfe uma modalidade esportiva, a Lei 7.291/84, se estabelece como medida geral sobre o desporto, superando normais estaduais e municipais. Isso aponta um motivo extra para invalidar a lei municipal que prega a perda da isenção ao contribuinte que nada mais faz do que desempenhar o direito a exploração de atividade de aposta que lhe cabe conforme norma da União.

Embora os clubes turfísticos tenham possibilidade de ficar com até 38% da quantia total das apostas – teto que o Jockey não alcança -, a utilização não é livre. O artigo 10 da Lei 7.291/84, define que no mínimo 97% (o artigo 54 do Decreto 96.993/88 ampliou esse índice para 99%) dos recursos de apostas e outras receitas turfísticas serão encaminhados a arcar com custos de cunho da pratica do turfe, como as premiações aos apostadores, criadores e profissionais da modalidade, deixando 3% desses valores para arcar com gastos gerais das propriedades, como o IPTU.

Ou seja, essa cobrança legal mostra a disparidade das quantias exigidas do governo municipal contra o Jockey. No fim das contas, o Hipódromo Cidade Jardim precisa arcar com ITR e não IPTU. Se eventualmente a propriedade acabar sujeita ao mesmo imposto municipal, o Jockey precisa contar com a isenção de cobrança que se aplica a todas as associações esportivas, sendo inconstitucional a cláusula restritiva praticada pela lei local.