Uma audiência pública da Comissão de Esporte do Senado (CEsp) realizada na última quarta-feira (9) discutiu os desafios da regulamentação publicitária no setor de apostas online. Senadores e convidados avaliaram as novas regras que entraram plenamente em vigor em janeiro de 2025.
O debate serviu como base para a análise de dois projetos de lei que propõem maior rigor na publicidade do setor (PL 2.985/2023 e PL 3.405/2023). Contudo, diversos participantes consideraram o prazo estabelecido insuficiente para uma análise adequada da regulamentação.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ), relator do PL 2.985/2023, criticou a efetividade das medidas governamentais. “Nós esperamos um ano para que [as apostas] fossem regulamentadas e efetivamente cumpridas.
Quando eu escuto que o governo tem uma portaria restritiva [à publicidade], me pergunto o que estão fazendo. O quadro se agrava: a publicidade é massiva e é direcionada a quem muitas vezes não é nem o público-alvo, como crianças”, disse o senador.
A senadora Leila Barros (PDT-DF), presidente da CEsp, conduziu a audiência pública.
Atuação governamental e desafios regulatórios das bets
A Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda é responsável pela fiscalização do setor. Desde julho de 2024, a Portaria 1231 estabelece diretrizes para propagandas de apostas online. No entanto, a completa implementação dessas regras só ocorreu em 2025.
Representando a SPA, Daniele Correa Cardoso afirmou que a legislação já contempla diversas ferramentas sugeridas durante a reunião. “Desde janeiro temos a preocupação de monitoramento e fiscalização.
Seja de ofício ou quando recebemos uma denúncia, fazemos uma análise e a equipe procede à abertura de um processo fiscalizatório para a remoção dos conteúdos [que infringem as regras].
O desafio é justamente a velocidade com que isso acontece, considerando que estamos falando de um ambiente digital”, explicou Daniela.
Além disso, Daniele destacou a participação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) como um elemento relevante para estimular a autorregulação do setor. De acordo com ela, a parceria entre a SPA e o Conar tem sido “bastante efetiva”.
Avisos insuficientes e empresas de apostas ilegais
Para o defensor público Thiago Henrique Cunha Basílio, as propagandas não abordam adequadamente os riscos envolvidos nas apostas.
“Não dá para ser essa propaganda desenfreada como temos acompanhado. Não dá para acharmos suficiente ter uma mensagem dizendo ‘jogue com responsabilidade’, como se isso fosse lavar as mãos, transferindo mesmo para o apostador individual um controle volitivo de apostar ou não.
Isso é ainda mais perigoso para as classes D e E, que são mais vulneráveis a esse tipo de gasto”, afirmou o defensor.
Por outro lado, Alexandre Fonseca, CEO da SuperBet Brasil, concordou com a necessidade de melhorar a comunicação sobre os riscos.
Entretanto, ele apontou outro desafio significativo: “Temos 20 mil sites hoje ilegais operando no Brasil, que é onde o ludopata acaba encontrando um abrigo, onde o menor de idade acaba encontrando um terreno fértil para se envolver em jogo de azar. Acho que hoje temos um problema muito mais grave, que é o combate às bets ilegais”.
Enquanto isso, o diretor executivo do Instituto Livre Mercado, Rodrigo Saraiva Marinho, defendeu que as restrições não devem focar apenas nos casos de vício.
“Se proibirmos o vício, estamos proibindo que as pessoas optem pelo que elas querem fazer com a sua própria vida. Uma visão fundamental sobre a ideia de liberdade é as pessoas [poderem] errar, decidirem o que vão fazer e aquilo que não vão fazer”, ponderou Rodrigo.
Efeito reverso das restrições para o setor de apostas
De fato, alguns especialistas acreditam que restrições excessivas podem produzir resultados contraproducentes. Pietro Cardia Lorenzoni, diretor jurídico da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), citou o exemplo italiano.
“O consumidor brasileiro ainda não sabe qual é o jogo lícito e o ilícito. A publicidade é uma forma de informar o consumidor qual é o mercado lícito.
[Na Itália] os impactos foram negativos com a proibição. Os consumidores foram revertidos para o mercado ilícito. Isso significa sem proteção ao consumidor, sem proteção da criança e do adolescente e sem financiamento para políticas públicas”, alertou Pietro.
É importante ressaltar que a Lei 14.790, de 2023, determina que 12% da arrecadação das empresas de apostas seja destinada a diversas áreas, incluindo o esporte. A vice-presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Yane Marques, informou que o comitê recebeu seus primeiros recursos em março.
Influenciadores e impacto econômico
O senador Styvenson Valentim (PSDB-RN), autor do PL 2.985/2023, explicou que sua intenção inicial era proibir completamente as propagandas. “[O influenciador] consegue trazer as pessoas para consumirem o produto que ele veste.
O shampoo que [o jogador de futebol] Cristiano Ronaldo usa, eu estou usando, para ver se eu fico bonito igual a ele. É assim que se faz o marketing.
[As empresas] têm as condições financeiras e a possibilidade jurídica para que isso aconteça, só queremos diminuir o impacto da influência naquelas pessoas fracas que não têm a capacidade de não jogar”, argumentou.
No entanto, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) expressou preocupação com o impacto econômico de proibições radicais. “Todos os patrões [das redes de televisão] conversaram comigo, e a conclusão é que, se acabar com a publicidade, a única emissora que sobrevive é a Rede Globo.
As outras vão à falência. Vamos provocar uma situação financeira terrível também nos times de futebol, que não têm mais outra empresa a patrociná-los”, alertou Kajuru.