Servidor da Justiça do Rio é acusado de aplicar golpe disfarçado de ‘investimento em trading esportivo’

Artigo publicado pelo Valor Econômico relata como agia o falso trader esportivo.

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Servidor da Justiça do Rio é acusado de aplicar golpe disfarçado de ‘investimento em trading esportivo’

Um servidor da Justiça do Rio de Janeiro está sendo acusado de aplicar um golpe milionário. Conforme artigo publicado pelo Valor Econômico, as pessoas prejudicadas achavam que estavam investindo em trading esportivo. Ou seja, negociações de probabilidade no decorrer de algum evento esportivo, como jogo de futebol, tênis, vôlei, etc.

Conforme as denúncias feitas à polícia, há uma lista de empresas de apostas que não oferecem esse tipo de prática. As plataformas apresentadas às autoridades contam apenas com a modalidade de apostas de quota fixa.

Além disso, as pessoas lesadas declararam que o servidor apresentava formas de investimento com risco zero. Confira a reportagem completa a seguir!

Servidor é acusado de golpe

Um servidor da Justiça do Rio de Janeiro é acusado de “sumir” com cerca de R$ 25 milhões. Boa parte dessa quantia pertence a advogados e trabalhadores do fórum de Barra do Piraí, uma pequena cidade do interior do Estado. Eles acreditaram em uma proposta de investimento que garantia retorno rápido e com possibilidade de ganhos elevados.


As pessoas que se dizem lesadas afirmam que o servidor oferecia planos de investimentos em “trading esportivo”. Esse termo, pouco popular no Brasil, é usado para se referir a negociações de probabilidade durante determinado evento esportivo. O “trader” compra e vende as possibilidades de resultado enquanto a partida está sendo realizada (futebol, basquete, tênis etc).

Não está claro, no entanto, se era exatamente isso o que servidor fazia. Ele tinha conta em casas de apostas esportivas on-line. Nas notícias-crimes apresentadas à polícia estão listadas plataformas que não disponibilizam esse tipo de operação. Oferecem somente a modalidade de aposta conhecida como cota fixa.

Nesse modelo, o jogador aposta contra a casa (não contra outros apostadores, como no “trading”) e, ao fazer a aposta, ele sabe qual percentual receberá se acertar o resultado. Se errar, não ganha nada e perde toda a quantia investida.

As pessoas que se dizem lesadas por afirmam, no entanto, que ele oferecia planos de investimento com risco zero. “Se errasse, devolveria todo o dinheiro investido e se acertasse pagaria com acréscimo”, diz o advogado Christopher Taranto, que representa algumas das vítimas.

Segundo o advogado, o servidor tinha contrato de investimento com algumas dessas pessoas. Outras têm notas promissórias ou comprovantes da transação e as mensagens que foram trocadas por telefone. “Levantamos que o valor devido ultrapassa R$ 25 milhões”, afirma.

Especialista em direito desportivo, Udo Seckelmann, do escritório Bichara e Motta Advogados, diz que a aposta esportiva, por si só, não tem consequências criminais. “O problema está em prometer um benefício e não cumprir”, diz ele, sem entrar na especificidade do caso envolvendo o servidor da Justiça do Rio de Janeiro.

Ele contextualiza que as apostas esportivas passaram a ser permitidas no Brasil no ano de 2018, por meio da Lei nº 13.756. Essa legislação, frisa, trata somente das apostas de cota fixa e ainda está pendente de regulamentação.

O Ministério da Economia tem até o fim do ano que vem para publicar o decreto regulamentando a atividade. “Enquanto isso não acontece, nenhuma empresa com sede no Brasil pode operar. A lei fala que precisa ter uma licença e só será possível obter essa licença depois da regulamentação”, afirma Seckelmann.

É por esse motivo que não existem ainda empresas brasileiras atuando nesse ramo. Todas as casas de apostas esportivas on-line que são acessadas daqui do país têm sede no exterior, em locais onde a atividade pode ser explorada.

São marcas conhecidas dos brasileiros que acompanham esportes. Patrocinam clubes de futebol e aparecem nos intervalos das transmissões dos jogos. Duas das mais famosas têm sede no Reino Unido.

As pessoas que se dizem lesadas pelo servidor do Rio de Janeiro afirmam que ele usava as credenciais do Judiciário para dar credibilidade às suas funções como “trader”. Ele é concursado e atua na Comarca de Barra do Piraí, município no sul do Rio de Janeiro com pouco mais de cem mil habitantes.

Até o ano passado também dava aulas em um curso de direito numa faculdade da região. A maioria das pessoas que se diz lesada é de lá. Além de advogados e servidores da Justiça, há ex-alunos e amigos.

Há estimativa de que cerca de cem pessoas tenham perdido dinheiro. Os relatos de vítimas ouvidas pelo Valor são muito parecidos: retorno nos primeiros investimentos, feitos em valores baixos, e o “sumiço” do dinheiro depois que pegaram confiança e depositaram quantias mais altas. Uma única advogada diz ter perdido mais de R$ 900 mil.

Outra vítima, que tinha relações pessoais com o servidor, afirma ter entregado mais de R$ 100 mil nas mãos dele. “Dizia que não tinha risco de perda porque o lucro era muito grande, com uma só partida conseguia garantir o dinheiro do mês inteiro. Na primeira vez que investi com ele, depositei num dia e no outro pela manhã já havia retorno.”

Esse caso está sendo investigado pela 88ª Delegacia de Polícia, na cidade de Barra do Piraí. “Está em andamento e sob segredo de Justiça”, informou a assessoria de imprensa do órgão, sem dar mais detalhes.

Christopher Taranto, advogado de algumas das vítimas, diz que as notícias-crimes apresentadas contra o servidor têm base no crime de estelionato. “Até o momento não foi tomada nenhuma atitude para decretar a prisão preventiva. Estamos pedindo porque ele continua aplicando o golpe em outras pessoas.”

Além disso, segundo o advogado, existem pelo menos 17 ações de cobrança na Justiça. Algumas já têm decisões. A 2ª Vara da Comarca de Barra do Piraí tem determinado o bloqueio de contas bancárias e também das contas que o servidor mantinha nas plataformas em que realizava as apostas. Não há informações, no entanto, se, de fato, essas contas foram bloqueadas.

O Valor tentou contato, por telefone, com o servidor e com o advogado dele, mas nenhum dos dois respondeu. A Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro afirma que afastou o servidor de suas funções e instaurou sindicância para a apuração dos fatos assim que tomou conhecimento do caso.

A sindicância é uma fase de apuração preliminar. Com os indícios confirmados, foi aberto um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), que tramita em segredo de justiça e tem prazo de 90 dias para ser concluído. A corregedoria informou ainda que o Ministério Público foi comunicado para “as providências criminais pertinentes”.

O Ministério Público do Estado foi procurado, mas afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que não tinha informações sobre o caso.